Sobre a história das organizações bolcheviques na Transcaucásia

Lavrentiy Beria


Sobre a questão da Conferência de Praga
(Resposta a vários camaradas)


Capa de uma edição de 1948

Em meu informe Sobre a História das Organizações Bolcheviques na Transcaucásia, afirmei:

“A Conferência de Praga consolidou a cisão definitiva com o menchevismo, lançou as bases para a existência autônoma e organizada do Partido Bolchevique e marcou o início de uma nova etapa na construção do partido revolucionário de tipo leninista.”

Vários camaradas — G. Demchenko (Moscou), J. Yunover (Leningrado), Sakharov (Baku), Likhachov (Kirovabad), Mshvenieradze (Tiflis), Akopov (Ijevan) e outros — solicitaram-me que explicasse esse trecho do meu informe.

Alguns destes camaradas (Yunover, Demchenko e outros) escreveram dizendo que esse trecho não lhes era suficientemente claro, suscitando dúvidas. Assim, por exemplo, o camarada Yunover escreveu:

“Caro camarada Béria,

Durante minha estada no Sanatório ‘Quatro de Março’ número 4, em Sukhumi, tive a oportunidade de ler seu brilhante e profundo informe. Escrevo-lhe porque uma passagem do documento suscitou em mim algumas dúvidas.

No terceiro capítulo do informe ‘Sobre a História das Organizações Bolcheviques na Transcaucásia’, consta o seguinte trecho:

‘A Conferência de Praga consolidou a cisão definitiva com o menchevismo, lançou as bases para a existência autônoma e organizada do Partido Bolchevique e marcou o início de uma nova etapa na construção do partido revolucionário de tipo leninista.’

Em minha prática como propagandista, venho transmitindo uma interpretação diferente acerca da essência da Conferência de Praga.

Pode-se realmente afirmar que ‘consolidou a cisão definitiva com o menchevismo’? E, mais ainda, é correta a afirmação de que ‘lançou as bases para a existência autônoma e organizada do Partido Bolchevique’?

Não seria possível redigir esse trecho de maneira mais rigorosa? Especialmente levando em conta que os livros didáticos sobre a história do Partido, em sua maioria, não apresentam uma análise suficientemente clara do significado histórico da Conferência de Praga.

Uma explicação sua será de grande valor para o aperfeiçoamento do meu trabalho político futuro.”

Outros camaradas (os camaradas Sakharov, Likhachov e Akopov) consideram incorreta a formulação que utilizei, alegando que ela contradiz o conhecido postulado de Lênin segundo o qual:

“O bolchevismo, enquanto corrente do pensamento político e enquanto partido político, existe desde 1903.”(1)

Assim, por exemplo, o camarada Sakharov escreve:

“Ao abordar a Conferência de Praga dos bolcheviques, o camarada afirma que ela ‘lançou as bases para a existência do Partido Bolchevique’. Creio que essa formulação não é precisa.

É absolutamente correto afirmar que a Conferência de Praga representou um ponto de inflexão decisivo na história do bolchevismo, pois foi em 1912 que se consumou formalmente a ruptura com os mencheviques, encerrando o período de aliança imposto pelo 4º Congresso de Unidade do POSDR.

Entretanto, também é amplamente reconhecido que o bolchevismo já existia como corrente ideológica desde o final do século 19, nas lutas dirigidas por Lênin contra o marxismo legal de Piotr Struve, contra o narodnismo e contra o economicismo, consolidando-se definitivamente durante o período da velha Iskra.

Do mesmo modo, é inegável que o bolchevismo existe como partido político desde o 2º Congresso do POSDR, onde, apesar da unidade formal, bolcheviques e mencheviques se constituíram como tendências político-organizativas distintas.

Portanto, a expressão de que ‘a Conferência de Praga lançou as bases para a existência do Partido Bolchevique’ é imprecisa, ou talvez um deslize de redação; de todo modo, o próprio informe comprova isso de maneira inequívoca.

Em vista disso, considero necessário proceder à correção desse trecho, para que reflita com precisão o desenvolvimento histórico do bolchevismo.”

O bolchevismo, enquanto tendência do pensamento político e enquanto partido político, existe desde o 2º Congresso do Partido. Na luta contra os mencheviques pelo programa de Lênin, pelos princípios táticos e organizativos, os bolcheviques adotaram a linha da cisão, da ruptura com os oportunistas mencheviques desde 1903, quando a fração bolchevique se formou. Essa política foi reafirmada tanto na luta pela convocação do 3º Congresso quanto no próprio Congresso, quando foram adotadas as resoluções: “Sobre a tendência de cisão do partido”, “Sobre a preparação das condições para uma fusão com os mencheviques” e “Sobre a dissolução de comitês que se recusem a acatar as decisões do 3º Congresso”.

1) Sobre a Tendência de Cisão do Partido:

“O Congresso declara que, desde o início da luta contra o economicismo, certas tendências persistiram no seio do Partido Operário Social-Democrata da Rússia (POSDR), as quais, em variados graus e aspectos, apresentam traços semelhantes ao economicismo, caracterizando-se por uma tendência comum de subestimar a importância da consciência de classe na luta proletária e de subordinar essa consciência às forças espontâneas do movimento.

No campo da organização, os representantes dessas tendências defendem, em teoria, o princípio da ‘organização como processo’, o que nega o caráter planificado e centralizado do trabalho partidário. Na prática, desviam-se sistematicamente das exigências da disciplina partidária, e em diversos casos promovem a aplicação indiscriminada do princípio eletivo, inclusive entre setores menos esclarecidos do Partido, ignorando as condições objetivas da vida russa e, assim, minando a única base possível para a construção de sólidos vínculos partidários na conjuntura atual.

No campo da tática, essas tendências se manifestam na tentativa de restringir o âmbito da atividade partidária, na defesa de táticas de independência absoluta frente aos partidos liberais-burgueses, na contestação do papel do Partido como organizador da insurreição popular, bem como na negação da participação do Partido em um governo democrático-revolucionário provisório, sob quaisquer circunstâncias.

O Congresso orienta todos os membros do Partido a travarem uma luta ideológica enérgica, sistemática e em todos os lugares contra tais desvios parciais dos princípios do socialismo revolucionário-democrático. Ao mesmo tempo, considera admissível a participação nas fileiras do Partido de pessoas que compartilhem, em alguma medida, essas visões, desde que reconheçam plenamente as resoluções dos congressos partidários, aceitem incondicionalmente as normas do Partido e se submetam integralmente à sua disciplina.”

2) Sobre a Preparação das Condições para uma Fusão com os Mencheviques:

“O 3º Congresso do POSDR encarrega o Comitê Central de tomar todas as medidas necessárias para preparar e redigir as condições para a fusão com a fração do POSDR que se separou, devendo essas condições ser submetidas a um novo congresso do Partido para aprovação final.”

3) Sobre a Dissolução de Comitês que se Recusem a Acatar as Decisões do 3º Congresso:

“Considerando a possibilidade de que algumas organizações mencheviques se recusem a acatar as decisões do 3º Congresso, o Congresso instrui o Comitê Central a dissolver tais organizações e a sancionar como paralelas aquelas organizações que venham a se submeter ao Congresso, mas somente após ter sido plenamente estabelecido, por meio de investigação cuidadosa, que as organizações e comitês mencheviques recusam-se a submeter-se à disciplina do Partido.”(2)

Tudo isso comprova o fato de que, embora no 3º Congresso a fração bolchevique já estivesse mais consolidada e a política de cisão com os mencheviques estivesse confirmada, os bolcheviques ainda não haviam levado a cisão ao ponto da abolição total e definitiva da unidade formal com os mencheviques — algo que se concretizaria apenas depois, na Conferência de Praga de 1912.

É igualmente fato amplamente conhecido que, ainda que combatessem “de maneira absolutamente determinada contra a confusão entre as duas seções do Partido” (Lênin), os bolcheviques aprovaram, na Conferência do Partido em Tammerfors (1905), uma resolução que visava à fusão prática dos centros partidários. Esta resolução afirmava:

1. Para fins de fusão prática, e como medida provisória até a realização do Congresso de Unidade, a Conferência propõe a fusão imediata e simultânea dos centros práticos (de atuação) e dos órgãos centrais de imprensa, em condições de plena igualdade.

É permitido que os membros da junta editorial façam parte do centro prático.

A junta editorial deverá ser orientada pelas instruções do centro comum. Sempre que um terço dos membros da redação desejar expressar uma opinião divergente, a junta editorial deverá publicá-la, com a devida ressalva indicando seu caráter individual.

2. A Conferência manifesta-se a favor da fusão imediata das organizações locais paralelas.

3. Quanto à convocação de um Congresso de Unidade:

Os Comitês Centrais unificados, bem como os Comitês Organizadores, ou, na ausência de fusão, o conselho conjunto do Comitê Central e do Comitê Organizador, deverão proceder imediatamente ao anúncio da convocação de um Congresso de Unidade do POSDR, a ser realizado o mais brevemente possível.

A representação no congresso deverá ocorrer mediante eleições, de forma eletiva e proporcional. Todos os membros das organizações partidárias terão direito de participar da eleição dos delegados, a qual deverá ser realizada através de voto direto e secreto.”(3)

O 4º Congresso do Partido (1906) entrou para a história do nosso Partido como o Congresso de Unidade. O Comitê Central eleito por esse congresso era composto por sete mencheviques e três bolcheviques. O 5º Congresso (Londres) também foi um congresso unificado; o Comitê Central do POSDR, eleito nesse Congresso, era composto por cinco bolcheviques, quatro mencheviques, dois membros do Partido Social-Democrata da Polônia e da Lituânia, e um membro dos social-democratas da Letônia.

Nesse contexto, também se deve recordar as decisões da Conferência da Junta Editorial Ampliada do Proletary, em 1909, que trataram da questão dos métodos e táticas do nosso Partido na luta contra os mencheviques antes da Conferência de Praga. (É fato conhecido que essa Junta Editorial Ampliada do Proletary era, de fato, o centro bolchevique, eleito numa reunião da fração, realizada ao final do Congresso de Londres do POSDR).

A resolução dessa conferência, intitulada “As Tarefas dos Bolcheviques no Partido”, afirmava:

“1) Que na luta contínua pela defesa do Partido e de seu espírito, a tarefa da fração bolchevique — que deve manter-se como principal defensora do espírito partidário e da linha social-democrata revolucionária no Partido — é apoiar ativamente o Comitê Central e o Órgão Central do Partido em todos os sentidos. No atual período de reagrupamento das forças partidárias, apenas as instituições centrais de todo o Partido podem servir como referência autoritária e firme da linha partidária, em torno da qual podem se agrupar todos os elementos genuinamente partidários e social-democratas;

2) Que, no campo menchevique do Partido, cujo órgão oficial da fração é o Golos Sotsial-Demokrata (A Voz do Social-Democrata), encontra-se completamente cativo dos liquidacionistas mencheviques. A minoria dessa fração, tendo explorado até o fim a via do liquidacionismo, já começa a levantar sua voz contra esse rumo e está buscando novamente uma base partidária para suas atividades (a carta dos mencheviques de ‘Vyborg’, a cisão entre os mencheviques de São Petersburgo, a cisão no Comitê Editorial do Golos Sotsial-Demokrata, a correspondente divisão no Bund, etc.);

3) Que, sob tais circunstâncias, a tarefa dos bolcheviques que continuarão sendo a sólida vanguarda do Partido, tem por tarefa não apenas prosseguir a luta contra o liquidacionismo e todas as formas de revisionismo, mas também estabelecer vínculos mais estreitos com os elementos marxistas e partidários das demais frações, em conformidade com os ditames dos objetivos comuns na luta pela preservação e consolidação do POSDR.

A mesma ideia permeia a resolução da Conferência “Sobre a Agitação por um Congresso Bolchevique ou uma Conferência Bolchevique Separada do Partido”, a qual afirmava o seguinte:

“Considerando que:

Desde a restauração da unidade partidária, a fração bolchevique sempre apresentou sua linha política e agregou seus partidários em torno dela nas discussões gerais do Partido, conduzindo essa luta ideológica no interior do Partido como um todo — seja através da formulação de plataformas paralelas, da intervenção nas discussões dos núcleos partidários ou da participação ativa nos congressos gerais do POSDR;

Que esse método de luta é o único capaz de assegurar simultaneamente a solidariedade daqueles que efetivamente compartilham de uma mesma posição política e o afluxo progressivo de elementos próximos à fração bolchevique;

Que, para o êxito de nosso objetivo principal — o exercício de influência sobre o Partido em nome da vitória da linha revolucionária social-democrata — os bolcheviques devem afirmar-se exclusivamente no terreno geral do Partido, pois este é o único caminho correto e expedito;

Que qualquer outro caminho — como a convocação de congressos ou conferências separadas dos bolcheviques — resultaria inevitavelmente na cisão vertical do Partido, acarretando danos irreparáveis à própria fração que ousasse romper a unidade do POSDR;

Considerando tudo isso, a Junta Editorial Ampliada do Proletary resolve:

1. Advertir energicamente todos os seus seguidores contra a agitação em favor da realização de um congresso bolchevique separado, uma vez que tal agitação, objetivamente, conduz à divisão do Partido e ameaça causar sérios danos à posição conquistada pela corrente revolucionária da Social-Democracia no seio do Partido;

2. Determinar que a próxima conferência dos bolcheviques ocorra simultaneamente à próxima conferência regular dos aderentes do Partido, reconhecendo que o congresso geral do Partido permanece como o órgão supremo da fração e de todo o Partido;

3. Considerando a urgência das questões em debate relativas à agitação no Partido e na fração, orientar os bolcheviques no Comitê Central a insistirem na convocação da conferência geral do Partido no prazo máximo de dois a três meses, seguida imediatamente da convocação de um novo Congresso do Partido.”(4)

Antes da Conferência de Praga, o bolchevismo — que já existia desde 1903 como uma tendência do pensamento político e como um partido político — combatia o menchevismo dentro do quadro de um partido comum formalmente unificado, um partido unido aos mencheviques, valendo-se da arena geral do Partido para desmascarar os mencheviques, arrancar-lhes os trabalhadores iludidos e derrotá-los politicamente.

Em todas as etapas dessa luta, os bolcheviques mantiveram e preservaram a independência real de sua organização partidária, sem jamais se confundir com os mencheviques; todavia, formalmente, os bolcheviques pertenciam a um mesmo partido até 1912.

Na Conferência de Praga, que marcou a ruptura oficial com os mencheviques, os bolcheviques abandonaram definitivamente a estrutura organizativa do partido unificado com o Comitê Central comum. Assim, a Conferência de Praga representou a separação oficial dos bolcheviques em um Partido Social-Democrata independente, com seu próprio Comitê Central.

Os mencheviques, por sua vez, fizeram tudo ao seu alcance para dividir a classe operária da Rússia, enfraquecê-la e transformá-la em instrumento dócil nas mãos da burguesia liberal-monarquista. Contra essa linha de fragmentação do movimento operário, os bolcheviques estabeleceram sua própria linha: a da ruptura com os mencheviques, do desmascaramento de sua traição e da mobilização da classe trabalhadora sob a bandeira da social-democracia revolucionária — a bandeira do Partido leninista.

Na Conferência de Praga, os bolcheviques expulsaram definitivamente os mencheviques liquidacionistas do Partido e puseram fim para sempre a todos os vestígios de unidade formal com os mencheviques. A partir da Conferência de Praga, o bolchevismo tornou-se oficialmente um partido independente. Este é o cerne da questão.

Essa independência do Partido Bolchevique, não apenas em essência, mas também em forma, concretizou-se ao romper todos os vínculos organizativos com os mencheviques. Tal fato é de importância vital para a compreensão dos métodos e das táticas do nosso Partido, os quais garantiram a vitória sobre o menchevismo.

Assim, ao abordar as formas e métodos de combate aos mencheviques antes e depois da cisão definitiva, Lênin afirmou:

“Uma cisão significa a ruptura de todos os laços organizativos, a transição da luta de ideias do terreno da influência interna sobre a organização, para o terreno da influência externa, do esforço por corrigir e persuadir camaradas, para a destruição de sua organização; significa a passagem à incitação das massas de trabalhadores (e das massas populares em geral) contra a organização da qual se desertou.

[...] Se alguém aplicar os critérios da luta interna permissível no Partido à luta baseada em uma cisão — uma luta dirigida contra o Partido de fora para dentro (ou, no caso de uma cisão local, contra a organização partidária local) — essa pessoa deve ser considerada infantilmente ingênua ou hipócrita.

Do ponto de vista organizativo, uma cisão significa a ruptura de todos os vínculos organizativos, ou seja, a transição de uma luta para convencer camaradas dentro da organização, para uma luta para destruir a organização hostil, destruir sua influência sobre as massas do proletariado.

Do ponto de vista psicológico, é evidente que o rompimento de todos os laços organizativos entre camaradas já implica um grau extremo de amargura mútua e hostilidade, que inevitavelmente se transforma em ódio.”(5)

Foi assim que Lênin conceituou a questão da cisão no contexto da organização de São Petersburgo do POSDR.

Não é necessário demonstrar que essa formulação se aplica ainda mais à luta de nosso Partido contra o menchevismo durante o período da Conferência de Praga, a qual consumou a cisão com os mencheviques e, por conseguinte, forneceu a base organizativa formal para a existência separada e independente do Partido Bolchevique.

É por isso que a Conferência de Praga foi um ponto de virada na história do bolchevismo. É por isso que a Conferência de Praga lançou as bases para a existência independente do Partido Bolchevique.

Pravda, 26 de outubro de 1935


Notas de rodapé:

(1) Vladimir Lênin: Obras Escolhidas, Volume 10 — “Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo”, página 61. (retornar ao texto)

(2) O P.C.U.S.(B.) em Resoluções e Decisões de Congressos, Conferências e Plenuns do Comitê Central, Parte I, páginas 48, 54, ed. Russa. (retornar ao texto)

(3) Idem, páginas 58-59. (retornar ao texto)

(4) Idem, páginas 152-153. (retornar ao texto)

(5) Vladimir Lênin: Obras Escolhidas, Volume 03 — “Discurso de Defesa (ou Acusação) contra a Seção Menchevique do Comitê Central, pronunciado no julgamento do Partido”, páginas 490-492, Editora Cooperativa, Moscou, 1934. (retornar ao texto)

Inclusão: 16/05/2024